[Do falsificacionismo]

 

A ciência não é um sistema de enunciados certos ou bem estabelecidos, nem um sistema que avance continuamente em direção a um estado de finalidade. (...) Ela jamais pode proclamar haver atingido a verdade ou um substituto da verdade, como a probabilidade. (...) Não sabemos: só podemos conjecturar.

(...) Essas conjeturas ou ‘antecipações’, esplendidamente imaginativas, são, contudo, cuidadosamente controladas por testes sistemáticos. Uma vez elaborada, nenhuma dessas ‘antecipações’ é dogmaticamente defendida. O nosso método de pesquisa não se orienta no sentido de defende-las para provar que tínhamos razão. Pelo contrário, procuramos contestar essas antecipações. Recorrendo a todos os meios lógicos, matemáticos e técnicos de que dispomos, procuramos demonstrar que as nossas antecipações são falsas – a fim de colocar, no lugar delas, novas antecipações injustiçadas e injustificáveis.

(...) O avanço da ciência não se deve ao facto de se acumularem ao longo do tempo mais e mais experiências percentuais. Nem se deve ao fato de estarmos a fazer um uso cada vez melhor dos nossos sentidos.

(...) Mesmo o teste cuidadoso e sóbrio das nossas ideias, através da experiência, é, por sua vez, inspirado por ideias: a experimentação é ação planejada, onde cada passo é orientado pela teoria. (...) Somos sempre nós que propomos questões à natureza; somos nós que repetidamente procuramos formular essas questões, de modo a provocar um claro “sim” ou “não” (...); somos nós próprios que, após intenso exame, decidimos acerca da resposta à indagação que propusemos à natureza – após tentativas longas e sérias de obter dela um inequívoco “não”. (...).

O velho ideal científico da episteme – do conhecimento absolutamente certo, demonstrável – mostrou não passar de um “ídolo”. A exigência de objetividade científica torna inevitável que todo o enunciado científico permaneça provisório para sempre. Pode ele, é claro, ser corroborado, mas toda corroboração é feita com referência a outros enunciados, por sua vez, provisórios.

(...) A visão errônea da ciência trai-se a si mesma na ânsia de estar correta, pois não é a posse do conhecimento, da verdade irrefutável, que faz o homem de ciência – o que faz é a persistente e arrojada procura crítica da verdade.

 

Fonte: POPPER, K., A Lógica da Pesquisa Científica, Cultrix, 1998, p. 305-308.