Adorno - Indústria Cultural e Sociedade

 

(...) Sob o monopólio privado da cultura sucede de fato que "a tirania deixa livre o corpo e investe diretamente sobre a alma". Aí, o patrão não diz mais: ou pensas como eu ou morres. Mas diz: és livre para não pensares como eu, a tua vida, os teus bens, tudo te será deixado, mas, a partir deste instante, és um intruso entre nós. Quem não se adapta é massacrado pela impotência econômica que se prolonga na impotência espiritual do isolado. Excluído da indústria, é fácil convence-lo de sua insuficiência. Enquanto agora, na produção material, o mecanismo da demanda e da oferta está em vias de dissolução, na superestrutura ele opera como controle em proveito dos patrões. Os consumidores são os operários e os empregados, fazendeiros e pequenos burgueses. A totalidade das instituições existentes os aprisiona de corpo e alma a ponto de sem resistência sucumbirem diante de tudo o que lhes é oferecido. E assim como a moral dos senhores era levada mais a sério pelos dominados do que pelos próprios senhores, assim também as massas enganadas de hoje são mais submissas ao mito do sucesso do que os próprios afortunados. Estes têm o que querem e exigem obstinadamente a ideologia com que se lhes serve. O funesto apego do povo ao mal que lhe é feito chega mesmo a antecipar a sabedoria das instâncias superiores e supera o rigorismo dos Hays-Office(1). Assim como em grandes épocas animou e estimulou maiores poderes dirigidos contra eles: o terror dos tribunais. Eles sustêm Mickey Rooney contra a trágica Garbo e Pato Donald contra Betty Boop. A indústria adapta-se aos desejos por ela evocados. Aquilo que representa um passivo para a firma privada, que às vezes não pode desfrutar por completo o contrato com a atriz em declínio, é um custo razoável para o sistema em seu todo. Ratificando astutamente o pedido de refugos, ele estabelece a harmonia total. Senso crítico e competência são banidos como presunções de quem se crê superior aos outros, enquanto a cultura, democrática, reparte seus privilégios entre todos. Diante da trégua ideológica, o conformismo dos consumidores, assim como a imprudência da produção que estes mantêm em vida, adquire uma boa consciência. Ele se satisfaz com a reprodução do sempre igual.

 

A mesmice também regula a relação com o passado. A novidade do estágio da cultura de massa em face do liberalismo tardio está na exclusão do novo. A máquina gira em torno do seu próprio eixo. Chegando ao ponto de determinar o consumo, afasta como risco inútil aquilo que ainda não foi experimentado. Os cineastas consideram com suspeita todo manuscrito atrás do qual não encontrem um tranquilizante best-seller. Mesmo por isso sempre se fala de ideia, novidade e surpresa, de alguma coisa que ao mesmo tempo seja plenamente familiar sem nunca ter existido. Para isso servem o ritmo e o dinamismo. Nada deve permanecer como era, tudo deve continuamente fluir, estar em movimento. Pois só o triunfo universal do ritmo de produção e de reprodução mecânica garante que nada mude, que nada surja que não possa ser enquadrado.

 

(1) NT: órgão encarregado da censura cinematográfica. Sua força foi sensivelmente abrandada no fins da presidência de Johnson (1969).

 

ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Tradução de Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.