Nobre e Vulgar

 

Para os caracteres vulgares todos os sentimentos nobres e generosos parecem deslocados e, por conseguinte, na maioria das vezes inverossímeis: piscam o olho quando ouvem falar disso e parecem dizer: “Deve haver aí um proveito qualquer, mesmo se escapa ao olhar”: - mostram-se desconfiados com relação ao homem nobre, como se este procurasse seu benefício com artifícios.

Se a ausência de intenções egoístas e de lucros pessoais num nobre transparecem no olhar, eles fazem desse senhor uma espécie de louco: só sabem demonstrar desprezo por sua alegria e riem do brilho de seu olhar. “Como pode alguém regozijar-se com seu prejuízo, como pode querer um prejuízo de olhos abertos! Sua razão deve estar realmente afetada.” – Assim pensam do nobre, com um olhar de desprezo, com o ar que demonstram quando vêem um alienado comprazer-se com sua ideia fixa. O caráter vulgar se distingue pelo fato de que jamais perde de vista o seu proveito; esse é o seu instinto mais forte e mais violento: não se deixar levar para atos inadequados – essa é sua sabedoria e sua identidade.

Comparado à natureza vulgar, a natureza superior é a mais desrazoável – pois o homem nobre, generoso, aquele que se sacrifica, sucumbe de fato a seus instintos e, em seus melhores momentos, sua razão faz uma pausa. (...)

Este experimenta sensações de prazer ou de desprazer com tal intensidade que o intelecto deveria se calar ou se colocar a serviço dessas sensações: então seu coração sobe à cabeça e se fala de “paixão”.

 

Nietzsche, Friedrich. A Gaia Ciência, Livro I