Locke - Segundo tratado sobre o governo. Capítulo V (Da propriedade).

[O trabalho aqui é tratado no estado de natureza, enquanto direito natural. Nos pontos 46 e 47, já considera-se um acordo de valoração de metal e dinheiro, alcançáveis apenas pelo pacto social]

§27. Embora a terra e todas as criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens, cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa; a esta ninguém tem qualquer direito senão ele mesmo. O trabalho do seu corpo e a obra das suas mãos, pode dizer-se são propriamente dele. Seja o que for que ele retire do estado que a natureza lhe forneceu e no qual o deixou, fica-lhe misturado ao próprio trabalho, juntando-lhe algo que lhe pertence, e, por isso mesmo, tornando-o proprietário dele. Retirando-o do estado comum em que a natureza o colocou, anexou-lhe por esse trabalho algo que o exclui do direito comum de outros homens. Desde que esse trabalho é propriedade exclusiva do trabalhador, nenhum outro homem pode ter direito ao que se juntou, pelo menos quando houver bastante e igualmente de boa qualidade em comum para terceiros.

§31. (...) “Deus nos deu de tudo abundantemente” (I Tim 6, 17) é a voz da razão confirmada pela inspiração. Mas até que ponto no-lo deu? Para usufruir. Tanto quanto qualquer um pode usar com qualquer vantagem para a vida antes que se estrague, em tanto pode fixar uma propriedade pelo próprio trabalho; o excedente ultrapassa a parte que lhe cabe e pertence a terceiros. Deus nada fez para o homem estragar e destruir. (...)

§32. (...) A extensão de terra que um homem lavra, planta, melhora, cultiva, cujos produtos usa, constitui a sua propriedade. Pelo trabalho, por assim dizer, separa-a do comum. (...)

§46. A maior parte de tudo quanto é realmente útil à vida do homem e de tal sorte que obrigou os primeiros membros das comunidades a procurar pela necessidade de subsistir, conforme ora acontece com os americanos, é, em geral, de curta duração, estragando-se e perecendo de per si se não consumidos pelo uso (...). E se trocasse ameixas que apodreceriam em uma semana por nozes que o alimentassem durante um ano, não causava dano; não desperdiçava a reserva comum, não destruía parte da porção dos bens que pertenciam a terceiros, logo que não se estragassem inutilmente em suas mãos. Ainda mais, se trocasse as nozes por um bocado de metal, cuja cor lhe agradasse, ou os carneiros por conchas ou a lã por uma pedra cintilante ou um diamante, e guardasse esses objetos durante toda a vida, não invadiria os direitos de terceiros; poderia acumular qualquer quantidade que quisesse desses objetos duradouros; não se achando o extremo dos limites da sua justa propriedade na extensão do que possuía, mas no perecimento de tudo quanto fosse inútil a ela.

§47. E assim originou-se o uso do dinheiro – algo de duradouro que os homens pudessem guardar sem estragar-se, e que por consentimento mútuo recebessem em troca de sustentáculos da vida, verdadeiramente úteis mas perecíveis.

Segundo tratado sobre o governo. Capítulo V (Da propriedade).