Trecho de “O Ensaiador” (Galileu)

 

(...) Parece-me também perceber em Sarsi1 sólida crença que, para filosofar, seja necessário apoiar-se nas opiniões de algum célebre autor, de tal forma que o nosso raciocínio, quando não concordasse com as demonstrações de outro, tivesse que permanecer estéril e infecundo. Talvez considere a filosofia como um livro e fantasia de um homem, como a Ilíada e Orlando Furioso2, livros em que a coisa menos importante é a verdade daquilo que apresentam escrito. Sr. Sarsi a coisa não é assim. A filosofia encontra-se escrita nesse grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto.(...)

 

Galilei, Galileu. O ensaiador. São Paulo: Nova Cultural, 1987. Coleção Os Pensadores.

 

Notas:

(1)   Lotário Sarsi Sigensano, pseudônimo do padre jesuíta Horácio Grassi, que escreveu uma obra para contrariar um dos trabalhos de Galileu sobre astronomia.

(2)   Ilíada é o poema grego que conta a vitória grega sobre Tróia; Orlando Furioso, poema de Ludovico Ariosto, século XV.