[Dos paradigmas de Kuhn]

Pelo menos para os cientistas, os resultados obtidos na investigação normal são significativos, uma vez que acrescentam algo à abrangência e à precisão do paradigma quando se trata de aplica-lo. (...) Acompanhar um problema da investigação normal até à sua conclusão é alcançar o que já se antecipa de uma maneira nova, e isso requer soluções para todo o tipo de complexos enigmas, que podem ser instrumentais, conceituais ou matemáticos (...).

Os enigmas representam (...) essa categoria especial de problemas que testam o engenho ou a habilidade para chegar a uma solução. Os exemplos que encontramos nos dicionários são os do puzzle e o das palavras cruzadas, e são as características que estes jogos partilham com a ciência normal que há agora que destacar. (...) Num enigma, o que é relevante não é o valor ou a importância intrínseca do resultado. Pelo contrário, os problemas realmente prementes (...) nem sequer são, muitas das vezes, enigmas, em larga medida porque podem nem ter solução. Consideremos um puzzle comum cujas peças são escolhidas ao acaso de duas caixas diferentes. Visto que este problema é provavelmente inultrapassável mesmo para o mais engenhoso dos homens (embora possa assim não ser), não serve para testar a habilidade do jogador. Em boa verdade, não é sequer um enigma no sentido habitual do termo, pois se num enigma o valor intrínseco é dispensável, a garantia de que há uma solução não o é.

Já vimos, no entanto, que uma das coisas que uma comunidade científica adquire através de um paradigma (enquanto este estiver em vigor) é um critério para escolher problemas que sejam solucionáveis. Em boa medida, estes são os únicos problemas que a comunidade considerará como científicos ou como merecedores de atenção. (...) Uma das razões que explicam o progresso tão rápido da ciência normal tem a ver com o fato de os seus praticantes se concentrarem em problemas cuja solução só a falta de engenho pode impedir.

(...) Voltemo-nos agora para um outro aspecto, mais difícil e mais revelador, do paralelismo entre os enigmas e os problemas da ciência normal. Para ser classificado como enigma, não basta que um problema tenha garantidamente solução. Têm de estar também presentes regras que limitem seja a natureza das soluções aceitáveis, seja os passos pelos quais elas podem ser obtidas.

 

Fonte: T. KUHN. A estrutura das Revoluções Científicas, Guerra e Paz, 2009, p. 63-68.