Immanuel Kant

Immanuel Kant nasceu no dia 22 de abril de 1724, em Königsberg, na Prússia Oriental, na época o território era parte do Império Alemão. Atualmente a cidade pertence a Rússia e se chama Kaliningrado. Filho de um artesão descendente de escoceses, era o quarto de nove filhos. Passou grande parte de sua vida nos arredores de sua cidade natal. Dos pais luteranos recebeu uma severa educação religiosa.

Kant sempre foi uma pessoa extremamente rigorosa com seus hábitos cotidianos, inclusive com horários de levantar, dormir, comer e caminhar. Conta-se que o passeio vespertino de Kant com seu cão era referência para os vizinhos ajustarem o relógio. Um dia, imerso na leitura da obra Emílio, de Rousseau, deixou de sair com o cachorro e causou curiosidade na região.

 

O projeto de teoria do conhecimento de Kant: Criticismo

 

A teoria do conhecimento de Kant busca superar um impasse criado entre filósofos racionalistas e empiristas. Mas isso foi um trabalho de sua maturidade intelectual, antes disso, Kant defendeu a postura idealista na sua vida acadêmica. O idealismo sustenta que a natureza da matéria é dependente de uma realidade mental; o que está associado com a perspectiva racionalista. Foi o empirismo inglês que o fez mudar de posicionamento. Kant assumiu que ao ler as obras de David Hume (por volta de 1770, quando já tinha 46 anos) despertou de seu sono dogmático; ou seja, reconheceu os limites no racionalismo. Porém, o empirismo inglês, apesar de denunciar a impossibilidade das ideias inatas (fundamento principal do racionalismo moderno), também não conseguiu apresentar respostas satisfatórias para a fundamentação da ciência. Na busca de uma solução Kant realizou seus estudos críticos. Em perspectiva ampla, seus estudos críticos foram dedicados às questões: Que posso saber? Que devo fazer? Que me é dado esperar? Sua teoria do conhecimento é a resposta à primeira das três perguntas.

Kant percebeu que os racionalistas estavam desrespeitando os limites impostos pela necessidade da experiência. Dessa forma atribuíam à razão habilidades que não se sustentavam racionalmente. A existência de ideias inatas era muito difícil de apoiar, pois exige que você já tenha dentro de si os elementos que explicam coisas que você ainda não conhece. Como explicar a existência desses elementos? Dessas ideias inatas? Por outro lado, o empirismo tornou-se cético em relação ao conhecimento, fazendo-o parecer apenas uma criação da imaginação. Nossos sentidos capturam informações isoladas da realidade e a mente monta por si mesma um quebra cabeça, porém, se só as experiências existem para a construção do conhecimento, raciocinar significa o quê? Os processos indicados por Hume são frutos do hábito, mas como foram identificadas semelhanças, por exemplo. Não seria necessário um critério anterior que dissesse à imaginação que tais experiências são semelhantes e outras não?

Estava posta uma dificuldade que Kant resolveu enfrentar: encontrar uma saída satisfatória para o conhecimento que não se tornasse dogmática, como o racionalismo, nem cair na impossibilidade do conhecimento, como no empirismo. Realiza, então, uma grande análise das faculdades que possuímos para a aquisição de conhecimento. O resultado dessa teoria do conhecimento foi a obra “Crítica da Razão Pura” com sua primeira edição em 1781. Entre o dogmatismo do racionalismo e o ceticismo dos empiristas, surge o criticismo de Kant.

 

a posteriori / a priori

 

Kant esteve preocupado em delimitar o que seria possível realizar com o trabalho metafísico; por exemplo, se ele poderia ou não ser realizado como ciência. Era nítido que a metafísica permitia várias respostas razoáveis, coerentes, mesmo que antagônicas. Além do mais, o período em que viveu Kant estava fortemente marcado pelos resultados obtidos no campo da matemática, como foi o caso da influência da geometria analítica de Descartes e do cálculo infinitesimal concebido por Newton e Leibnitz, que impulsionaram o desenvolvimento dos estudos da natureza. Somado à sistematização do estudo da natureza promovido por Newton, que indicavam o caminho que a ciência deveria seguir. Seria a metafísica capaz de chegar ao nível de confiabilidade que a física newtoniana oferecia?

O objetivo da análise crítica foi a busca pelas condições que tornavam o conhecimento possível. Se a ciência produz conhecimento, sob quais condições ele se torna possível? Aceitando os argumentos empiristas, Kant reconheceu que todo conhecimento se inicia com a experiência. Não se produz conhecimento sem partir da experiência. Ao conhecimento que surge da experiência, Kant chama de a posteriori, porque eles são externos à mente e dependem da experiência para surgir. Por exemplo, se afirmo que “a janela está quebrada”, só pude afirmar após ter visto a janela em questão.

Todavia, há no conhecimento mais do que os elementos fornecidos pela experiência. Esses elementos a mais também aparecem quando temos experiência, mas surgem do sujeito que se esforça para conhecer. Falando de outra maneira, para que as impressões sensíveis se transformem em conhecimento são necessárias condições a priori na mente. Tais elementos a priori, constituem o que Kant chama de conhecimento da Razão Pura e, apesar de se manifestarem na experiência não são fornecidos pelos sentidos, sendo anteriores e independentes da experiência. Por exemplo, quando afirmo que existe o “infinito”, não posso afirma-lo com base na experiência, pois não existe experiência possível do infinito, pois toda experiência é finita, portanto, não se pode chegar nesse conhecimento pela via da experiência. Kant defendeu que esse e outros conceitos dependem de uma estrutura a priori na mente para que possamos pensá-los.

A posteriori

A priori

Dependente da experiência, surgido na experiência, do contato com o mundo através dos sentidos.

Conhecimento empírico.

Independente da experiência por ser parte da mente.

Se manifesta quando a mente precisa lidar com a experiência.

Conhecimento da razão pura.

 

Sendo assim, a nossa faculdade de conhecer recebe a experiência de um certo modo, unindo os elementos a posteriori aos elementos a priori, pois este é o modo como conseguimos fazer dos fenômenos percebidos algo “inteligível”, algo que a mente possa compreender. A partir daí começamos a produzir juízos sobre os fenômenos com os quais temos contatos. Juízos são afirmações sobre algo, ou seja, todo o conhecimento se estrutura a partir de juízos.

 

JUÍZOS: analíticos, sintéticos e sintéticos a priori

 

Kant considerou a existência de três tipos de juízos possíveis:

O primeiro tipo é o dos juízos analíticos: nesse juízo, o predicado afirmado é apenas um desdobramento do próprio objeto. É um juízo redundante, que coloca no predicado uma informação da própria natureza do sujeito. Por exemplo, dizer que “Um quadrado é uma figura de quatro lados”. Esses juízos esmiúçam o conhecimento, mas não acrescentam nada a mais.

O segundo tipo é o dos juízos sintéticos: são juízos onde o predicado acrescenta informações ao sujeito, o que só é possível devido à experiência. Por exemplo, dizer “O quadrado na parede é amarelo”. Dessa forma, toda afirmação com base na experiência será um juízo sintético. Tais juízos se referem ao nosso contato imediato com o mundo, mas seu conteúdo sempre será uma experiência isolada.

O terceiro tipo é o dos juízos sintéticos a priori: são juízos sintéticos que trabalham apenas com elementos da razão pura (sem os conteúdos da experiência). Para realizar essa tarefa a mente observa os juízos sintéticos e separa os elementos originados da experiência, restando apenas os elementos oriundos da própria razão. Por exemplo, “a soma dos ângulos internos do quadrado é 360°”. Só chegamos a essa afirmação, porque isolamos os elementos formais sobre o quadrado dos elementos específicos das nossas experiências. Tirando cores, tamanho específico do lado, nitidez da imagem, isolamos noções como a de ângulo. Só depois de isolar os elementos formais podemos pensar para gerar juízos sintéticos a priori.

Precisamos entender algo importante sobre os juízos sintéticos a priori: eles são produzidos com o conhecimento da razão pura, mas nunca chegaríamos aos elementos da razão sem passar primeiro pela experiência. Somente analisando a experiência conseguimos identificar quais elementos são próprios da experiência e quais são próprios da razão pura. Quando penso, por exemplo, que “o livro está à minha esquerda”, significa que vi o livro no lado esquerdo. Mas significa também, que tenho um modo intuitivo de me orientar no espaço. Separo as coisas a partir da minha posição e digo que estão de um lado ou do outro. Essa intuição não é dada pelos sentidos, mas pela estrutura da minha razão.

 

Idealismo Transcendental

"Chamo idealismo transcendental de todos os fenômenos a doutrina segundo a qual 

nós os consideramos sem exceção simples representações, não coisas em si”

Kant

O que se apresenta ao sujeito quando ele percebe algo? Um fenômeno. Já sabemos que a percepção do fenômeno é um complexo composto do que é dado a posteriori e do se possui na razão a priori. Isso significa que o fenômeno que aparece ao sujeito é apreendido de um certo modo, dentro dos limites da razão. A pergunta que se deve fazer nesse ponto é se a representação (o fenômeno percebido) corresponde à realidade. O que eu percebo é exatamente igual ao que é?

Kant chamou a representação do fenômeno na mente de númeno, em oposição ao conceito de “coisa em si”. A palavra númeno significa “o que é pensado”, e devemos lembrar que na percepção já temos a atuação da razão. Mas o que Kant quer expressar com o conceito de númeno é que pensamos a partir das aparências das coisas. O númeno é como o objeto aparece para o sujeito, ou seja, a aparência. Desse modo, a aparência é tudo o que sabemos; não podemos saber se a aparência corresponde a coisa como ela é, a “coisa em si”, pois simplesmente não temos acesso a ela. O limite da nossa faculdade de conhecer está em conhecer fenômenos, ou seja, númenos.

Mas se só conhecemos o númeno, como produzimos conhecimento? Produzimos conhecimento a partir dos elementos (intuições e formas) a priori, que nos permitem elaborar juízos sintéticos a priori. São esses juízos que formulam ideias universais como teorias matemáticas e leis da natureza.

Isso revela outra situação importante: a tradição filosófica (dogmática) sempre apostou que a razão humana reproduzia a razão do mundo e dessa forma alcançava a verdade. Mas Kant mostrou que só sabemos da razão que pertence ao sujeito do conhecimento. E por isso ele afirmou:

“Até agora se supôs que todo o nosso conhecimento tinha que se regular pelos objetos; porém, todas as tentativas de, mediante conceitos, estabelecer algo a priori sobre os mesmos, através do que o nosso conhecimento seria ampliado, fracassaram sob essa pressuposição. Por isso tente-se ver uma vez se não progredimos melhor nas tarefas da Metafísica admitindo que os objetos têm que se regular pelo nosso conhecimento, o que assim já concorda melhor com a requerida possibilidade de um conhecimento a priori dos mesmos que deve estabelecer algo sobre os objetos antes de nos serem dados.” (Kant. Crítica da Razão Pura)